top of page

De repente já nos 60!!!

Atualizado: 30 de mar.



 

O meu desejo de comunicar é imenso, contudo, contrasta com a força que não tenho, de o fazer. É o silêncio, o isolamento, que ganham a batalha da comunicação. Esta, existe de mim para comigo, apenas, infértil e duvidosa.

Faço tentativas e mais tentativas de comunicar para fora de mim… começo e deixo quase no princípio, porque me parecem absurdas, insignificantes e ridículas.

Sei que o que penso e sinto, é comum a milhares de pessoas, e talvez por isso, o verbalizar pudesse ser importante, quase catártico… para mim, e quiçá para mais alguém, mas depois, falta-me, ou o engenho ou, a criatividade ou, a maturidade ou, simplesmente a incapacidade de comunicar.

Uma das características da minha comunicação externa, que no fundo reproduz de mim para comigo, é precisamente, o eu, ser o ator principal. Irrita-me profundamente, não conseguir sair deste egozinho irritante, de comunicar o que é comum a milhares sem falar no eu. Por outro lado, sei o que sei através de mim, e acredito que outros também o sentem, mas só porque somos quase todos iguais, em muitas coisas, uns mais que outros…

Bom, mas isto porquê?

Porque gostava de falar do caminho que percorri até este momento, em que claramente estou no lugar dos meus pais, mas mais, estou no lugar de todos os velhotes de que me lembro da minha juventude, e fico estupefacta como isso é possível. Quero falar deste “salto no tempo”, o que eu senti, e o que sinto neste momento.

É curioso porque toda a vida ouvi dizer que as pessoas não mudam, eu acho que mudei tanto…

Por outro lado, apesar das eventuais mudanças nas coisas, na evolução das mesmas, nos homens a evolução é menos sentida e mais lenta.

Apesar de contextos diferentes, realidades diferentes, eu sempre disse que nunca iria ser como a minha mãe, a minha filha diz o mesmo em relação a mim.

Hoje, contudo, sei que não fui igual à minha mãe, mas também não fui melhor, que na arrogância dessa exclamação estava implícito, apenas... fui diferente.

Hoje sei, que o que fazemos é o nosso melhor, é o que conseguimos fazer com aquilo que temos.

Não me vou debater em questões feministas, nem sociais, até porque não é o objetivo.

Este caminho que percorremos na busca de coisa nenhuma, a não ser na companhia de ideias que nos incutiram por educação, sendo esta, fruto do social, religioso, e afins, é um caminho tão inglório e perene, que quando percebemos, já o percorremos, e estamos no fim dele. Na realidade percebemos muito mais tarde, pelo menos eu percebi, que busco coisa nenhuma, porque nada faz sentido, a começar pela nossa existência. Mas sei pelo menos, que não quero fazer aos outros aquilo que não quero que me façam, e isto, parece-me bastante básico. Mas não é.

Também não vale a pena debruçarmo-nos sobre a filosofia de uma existência, talvez real talvez não, porque, levar-nos-ia a lado nenhum.

Certo, certo, é que de repente me encontro aqui. Não me apercebi da rapidez do caminho e, por vezes, das mudanças que ocorreram…

 

De quando em onde, até me esqueço, e dou comigo ainda a “funcionar” como se o tempo não tivesse passado, mas basta olhar para a minha sombra, ou ver a minha imagem refletida em algo, e volto ao real.

Se me sinto velha? Não sei bem como responder, porque não sei o que deveria propriamente sentir. Sei, que ainda me sinto curiosa e com vontade de abraçar desafios. Sei, que a minha fé, a minha crença na humanidade, se perdeu completamente, e que todas as questões existenciais que me acompanharam desde cedo, e ao longo deste percurso, deixaram de me preocupar e sequer de procurar respostas. Sei que não me vejo como as pessoas que eu conhecia mais velhas, com aquela postura de "o peso do mundo nas costas" e a constante negatividade. Não, que não sinta um peso pesado de tudo pelo que passei e fiz passar mas creio que de alguma forma disfarço melhor, ou talvez não...

Sei, que ainda possuo um não sei quê de ingénua, que antes possuía em mais quantidade, e curiosamente, poucas pessoas sabiam; sei que o humor é das coisas que mais aprecio e sempre apreciei. Adoro rir, fazer rir, ouvir os outros rir, sempre adorei.

Estou mais seletiva nas companhias que procuro e de que me rodeio. Gosto de boas conversas e pessoas inteligentes. Não gosto de pessoas que de uma simples conversa fazem uma competição. e precisam sempre de demonstrar o que possuem (coisas) de alguma forma, como se isso lhes trouxesse alguma vantagem.

Já não me preocupa, nada, aquilo que os outros pensam de mim. Só aqueles de quem gosto e cuja opinião prezo.

Não gosto, sempre que me esqueço de algo, ou me queixo de uma dor ou outra coisa do género, me dizem “sabes como é, a idade!”, eu não sei como é e também não sei se é essa razão.

Creio que estes são sintomas da talvez "velhice" ou da experiência de um caminho percorrido . Sei e vejo, quando olho ao espelho, um rosto sem brilho e levemente cansado. O meu rosto ainda não está sulcado de rugas, mas também estou nos 60 e nem tenho culpa, é o ADN.

Acredito como Eça, que nós temos que ser destruídos e começar tudo de novo. Somos tóxicos, arrogantes e maus.

Procuro, no entanto, no dia a dia não deixar transparecer este meu desprezo pelo «ser humano» e por tudo o que fazemos em prol de um ego mesquinho e pobre.

Mas mais uma vez, falemos do caminho trilhado.

É curioso como em algumas situações, volto de novo aos tempos da minha juventude. ainda solteira, os anos, fins de 70 e meados de 80 do séc. 20, claro. Basta por exemplo, uma música, uma história, um autor, um ator, enfim, não é difícil voltar lá, e pensar como é possível ainda sentir esse gosto, esse gozo e já tanto tempo ter passado, e tanta coisa ter vivido.

Não é difícil voltar à maternidade sempre que ouço uma criança chorar, fazer uma birra, observar uma mulher com os filhos, cheia de sacos ou, a sair de minha casa e ver os pais à espera dos filhos na escola. Meu deus, parece que foi ontem, e já passou.

E neste caminho de pedras e pouco alcatrão em que tantas vezes caí e me levantei, umas vezes ferida com gravidade e outra apenas com arranhões, mas sempre continuando, aprendi. Aprendi, não sei se muito ou pouco, se com qualidade ou sem.

Aprendi que quase tudo o que sei, assenta em mentiras ou melhor em crenças, preconceitos, regras, e que a verdade a existir, nunca ou quase nunca, chega nua e crua.

Aprendi que o amor afinal, não é a raiz de tudo, porque o amor também ele existe em várias formas, é expectável de diferentes maneiras, e sofre também ele, de alguma manipulação ou de algum ideal…

Aprendi que o melhor, é estarmos despojados de tudo: das coisas em primeiro lugar, e depois de sentimentos.

Não esperamos, não desejamos, não idealizamos, não sonhamos, não sofremos, vazios...

O oposto, também não é melhor, dá-nos “tudo” e no fim também nos dá o vazio.

Mas continuemos. Lembro-me tão bem de quando tinha fé e acreditava verdadeiramente que existia algo superior, que seria redentor e justo. Alguém com quem podia contar quando estivesse muito desesperada. Alguém que me fazia sentir acompanhada e protegida. Credo! Como podemos ser tão ingénuos? Mas reconheço o quanto era reconfortante, aconchegante esse sentimento, essa crença.

Aliás todo o sentimento de amor provindo, criado, nascido para nos embalar num conforto enganador de uma existência vazia, deixando de existir como premissa de partida, leva-nos a caminhar sem ser, e a acreditar e ter esperança.

Adiante. Lembro-me da arrogância de quase tudo saber. E de saber, acima de tudo, o quanto podia ser melhor que este e aquele. Como podia fazer melhor, e como gostaria de contribuir para mudar o mundo para melhor.

Agora, cinicamente, fruto da frustração dos anos percorridos, da sensação de impotência, da "velhice", sorrio quando penso nisso.

A mudança que para mim era sem dúvida uma premissa da qual partia quase tudo: a nossa capacidade de evoluirmos, melhorar, amar e sim atingirmos o equilíbrio do «ser humano», tornou-se uma utopia.

Num mundo ideal, e se ainda tivesse fé, continuaria a pensar que seria assim: a capacidade de mudarmos, de nos questionarmos, de vermos o mal e corrigir, de procurar encontrar o equilíbrio, onde efetivamente todos os homens fossem iguais, sem egos, sem pretensiosismo, sem arrogância, sem ambição, ou pelo menos, com a capacidade de controlo de si próprio.

Num mundo ideal, e não me refiro ao planeta, nós, a dita humanidade, que de tal tem tão pouco, em tanta e muita coisa, saberia que este caminho é curto e tudo fica e nada vai, e nós, cada um, somos apenas uma miragem, uma pequena recordação durante uns minutos e, depois desaparecemos completamente.

Lembro-me apesar de tudo, que o tempo era algo imenso e pouco preocupante.

E apesar de todas as responsabilidades e agruras da vida, de todos os tombos, coças e mentiras pelas quais tive que passar e continuar, achava-me uma pessoa com sorte e adorava estar com pessoas com muito sentido de humor, que me fizessem rir bastante. Adorava o Herman José. Achava que era um humor inteligente e fácil de entender. Não era brega, a roçar o ordinário, que esse, havia em abundância, talvez por ser muito mais fácil de atingir.

Às vezes, nos meus melhores momentos, apetece-me dançar à chuva, cantar alto e dançar como uma louca, exatamente como se tivesse 20 anos, mas depois dizem que eu estou a ficar maluca e ainda me internam, e nós não queremos isso, certo?

Sei que todas as mulheres viveram tempos extremos. Se o foram de uma maneira geral, para as mulheres, foram sempre e, particularmente. Hoje, no meu tempo, não há diferença. A violência, a monstruosa brutalidade, e a falta de humanidade na humanidade, deixam-me completamente arrasada. Supostamente a mulher conseguiu estar ao mesmo nível que o homem, mas… em teoria, na realidade, quase nunca é, sempre com “juros” extra.

E a solidão? Essa companheira de toda uma vida? Nunca me apercebi até ser "velha", como ela é a companheira fiel e constante da vida de cada um e de todos nós, de mim, totalmente.

Hoje, aqui, sou mais uma espetadora do horror humano que vivemos. Não há passado, não há história que sirva de lição. Não há filosofia nem pensadores, não há lições que nos sirvam de exemplo pois a cada dia cometemos erros maiores e mais brutais. E a capacidade criativa de tornar a maldade, o horror, a violência, o desprezo pelo outro, é tão maior quanto a suposta evolução do homem.

E eu aqui, neste caminho percorrido porquê e para quê?

Sim eu sei, já não devia questionar e até não o faço de uma maneira geral. Já me entreguei (algo que disse que nunca faria) à resignação... um pouco talvez. Mas de quando em onde, em certos momentos em que a dor é demasiado profunda e a dor não pode ser calada, grito em silêncio essas razões de uma existência vazia.

E foi tão fácil durante tanto tempo acreditar que não era.

Era cheia de amor, de tudo, de vida, de alegria, de dor também, mas umas coisas compensavam as outras. E por incrível que pareça perpetuamos tudo isso nas gerações seguintes, porque queremos que eles tenham o seu momento de ilusão e magia…

Não sei… são precisamente os preconceitos, ideais, ideias, conceitos que se transformam naquilo que nos molda, e depois fica de tal forma entranhado, que passamos metade da nossa vida a lutar contra essas coisas inculcadas desde a nascença, e a outra metade a culpabilizarmo-nos por isso mesmo. Não sei…

Não sei se mais vale viver iludido e parcialmente feliz ou, lúcido e totalmente desprovido de fantasia, que contudo, de alguma forma, faz parte de nós...

Então este caminho que me trouxe até aqui, trouxe-me até ao momento em que realmente e literalmente sei que nada sei, e que só posso ser humilde e resignada quanto à minha falta de conhecimento… MAS

Não me resignarei com a violência e a maldade, a brutalidade, a injustiça, e todo o tipo de horror que se possa fazer em nome dos egos e da mesquinhez de caráter.

E claro, que não julgarei quem preferir viver na fantasia e na ilusão, conquanto isso não interfira na vida e liberdade do outro e vice-versa. Sim, o respeito por cada um e por todos, seria um bom começo para uma existência de recuperação, desintoxicante, talvez…

E para que não me julguem uma lunática frustrante e triste, temos sempre as CRIANÇAS, se as deixarmos ser. Porque sabemos que há sítios em que elas nascem já adultas, mas para não continuar num estilo de profundo pessimismo, as CRIANÇAS.

Neste meu desígnio tão vazio, de repente entra uma luz brilhante e ofuscante por momentos, mas à qual depressa me habituo, e que me traz de novo à vida: a minha NETA!

Quanto fascínio e quanto redescoberta tenho vivido na sua pequena companhia.

Quanto amor tenho sentido, e só na sua companhia, o vazio constante se enche de algo maravilhoso e transformador.

 

 

 

32 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page