Quando entrei para a função pública nos anos 80, havia o estigma de que o funcionário público só tinha privilégios e nada fazia e só se entrava com conhecimentos…
Eu não podia deixar de ser funcionária pública, porque queria trabalhar numa biblioteca e, as bibliotecas são públicas.
Não tinha como fugir ao funcionalismo público, mas sempre disse de mim para comigo, que me recusava a ser igual a esses todos de que se falava. Daria sempre o meu melhor, não me acomodaria e tentaria sempre, ir mais além.
Nessa altura, para se trabalhar numa biblioteca, arquivo ou serviço de documentação, tinha que se ter formação adequada, ou seja ou um curso ténico profissional ou uma pós graduação na área, porque em concurso público era uma exigência que, a não ser cumprida, logo se era rejeitado. Estava-se a par dos informáticos em termos de carreira. Mas mais tarde tudo mudou.

Tirei o curso de técnica auxiliar de BAD (Bibliotecas, Arquivos e Documentação) na Casa do Infante. Concorri e entrei para uma Faculdade, embora para uma categoria abaixo da minha e, sem cunhas. Não fui trabalhar para a biblioteca, porque parece que não havia ou funcionava mal. Estive uns meses na secretaria a fazer coisa nenhuma, até que finalmente me disseram que ia secretariar o conselho diretivo, porque era gira e ficava bem lá. ☹ Tipo um biblot em cima de um móvel. Assim que pude concorri para sair dali pois, detestava o que fazia, e concorri para outra Faculdade para uma categoria acima e para a biblioteca.
Aí estou há 33 anos.
Creio que consegui fazer aquilo a que me propus:
Ser uma boa profissional
Não me acomodar
Querer ir mais além
Depois de 3 filhos, um divórcio achei e necessitei de me valorizar e fiz a licenciatura em Ciência da Informação à primeira. Muitos outros cursos fiz, aliás dou formação na área das bibbliotecas escolares que sendo muito mais que uma formação é uma partilha.
As pessoas falam em segurança. Portanto se um funcionário for mau não se despede. Despede-se sim, se houver vontade para isso. Mas de algum modo a cultura geracional criou um não sei como chamar, a ideia de que devia ser a "santa casa da mesiricórdia" também criou vícios em que uns trabalham e dão tudo e outros nada fazem.
A função pública é o pior sítio para se trabalhar, se se quiser evoluir e criar projetos, de forma a levar a própria instituição mais longe, ou seja, trabalhando em equipa e, para o mesmo objetivo. Curiosamente, trabalha-se mais para alimentar egos e objetivos pessoais, daqueles que mandam em nós, e que acreditam não ser funcionários públicos.
Tenho-me debatido constantemente, com aquilo que se pode fazer, e aquilo que nos deixam fazer. Nem sequer é uma questão de louros, é apenas o querer, realmente, fazer um bom trabalho e ajudar a instituição para a qual trabalho, ser um exemplo para outras.
Quando se falou em reestruturação da função pública, abriu-se uma esperança em mim de que as coisas iam mudar. Mas foi uma vã esperança. Depois, falaram só nos jovens que era preciso estimular e cativar, blá blá, mas nem isso foi feito.
Eu, que ainda cá estou, que me sinto capaz e, com coragem para agarrar desafios, não estou nas estatísticas de melhoria, a idade já é um peso, (poderia ser de sabedoria e mais valia, mas não…)
Quando falo disto, dizem-me, "sabe como é a função pública, rege-se por normas e regras e não podemos saltar, nem fazer nada". Seria cómico se não fosse trágico, vermos tantos amigos de amigos, filhos de pais, pais de filhos, etc., a saltarem todas e qualquer regras e, agraciados, não os que foram bons trabalhadores, mas aqueles que foram bons a alimentar os egos, as intrigas e jogos de bastidores.
Acredito que muitas instituições públicas são sem dúvida um microcosmo do estado, um clone micro. Não entendo como se pode ser gestor de uma instituição, pessoas sem a mínima formação na área, e que estão a trabalhar em causa própria… Eu não percebo de gestão, mas parece-me demasiado básico esta ideia. Este microcosmo onde entra muita gente nova e, que tirando meia dúzia, rapidamente são absorvidos pela “cultura” instalada há séculos e, como tal a perpetuam, tem realmente uma grande incapacidade de mudança e evolução.
Acresce que neste caso de Universidades onde “brilham” académicos que sabem do que sabem, e muito teoricamente, mas se sentem no topo do mundo, se sentem deus na terra, se existisse.. Contudo parece transversal a tudo que seja função pública, serviços civis ou militares. Isso, está excelentemente espelhado, num documentário do Expresso, sobre o Salgueiro Maia.
Sinto-me acima de tudo triste e impotente por ver que não há vontade de lutar pelo todo e não por cada um.
Sinto-me triste por não almejarmos a excelência, mas o mediano ou medíocre e o show off para enganar.
Sim, há gente que não trabalha e, ganha um ordenado e, nada pesa neles. Depois há aqueles que trabalham e a quem é dada responsabilidade de tudo fazer, porque conseguem resultados. Mas a diferença entre uns e outros, a nível de ordenado…é obsceno. Por vezes, o que menos faz ganha mais e, em termos de avaliação… ui tão mau…porque se quem nos avalia sabe menos que nós...
Contudo e porque dou formação a outros funcionários públicos tenho conhecido gente brava, com imensa vontade de mudar as coisas, creativas, persistentes, lutadoras e como tal, ainda permanece em mim a esperança!
Sim, o estigma do funcionário público ainda subsiste, acima de tudo, por não haver vontade política para efetivamente, reformar a função publica, limpar o instituído e apostar não só na profissionalização dos seus elementos como também na motivação dos mesmos. Há já muitos exemplos de como isso se pode fazer. No meu caso, que era obrigatório ter formação na área, hoje séc. 21 já não é preciso, ou seja, houve claramente uma regressão… São estas incongruências, esta clara falta de visão, de organização e preparação para gerir, que mostram a deficiência do nosso funcionalismo público e valham-nos os que trabalham com vontade.
Eu não posso, mas se pudesse, teria que pensar noutra carreira, embora adore trabalhar na biblioteca e penso que como serviço público pode tanto fazer. Fiquei prisioneira de uma série de condicionalismos e hoje é tarde para daqui sair pois acredito que ninguém me quer.
Conselho que deixo aos jovens:
Não ingressem na função pública, limita-nos, cerca-nos e se não tivermos escape, estupidifica-nos!!!!
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