Fico espantada quando penso que se chamava, muitos anos atrás, a uma pessoa com muitos anos, sábia.
Não entendo de onde surgiu essa ideia. Eu já sou uma sexagenária e de sábia nada tenho.
Creio que me debato, ainda, com muitas das questões com que já me debatia, bem mais nova. E hoje, continuo sem respostas. Daí, o meu verdadeiro espanto pela sabedoria dos mais velhos, ou serei realmente uma incapaz, também pode ser.
Sei que hoje vejo certas situações de forma diferente, procuro ser mais tolerante para com outros e, sem paciência nenhuma para as restantes.
Mas o que sei, acima de tudo, é que nada sei. E que a solidão que sempre me acompanhou, pese embora acompanhada, se mantém… talvez hoje mais do que nunca.
Mas não sei porquê, embora haja muitas teorias, que respeito, porque cada um tem a sua perspetiva.
Há já muitos anos vi um filme baseado numa história verídica, de um jovem que abandona todo o conforto e vida mundana, e se retira para o meio de nada onde acaba por morrer pouco tempo depois. Também soube que muitos o criticaram, dizendo que ele podia fazer da sua vida algo em prol dos outros… São tão bonitas essas palavras: quando não estamos satisfeitos com o mundo fazemos qualquer coisa para ele mudar… sim porque ele tem mudado imenso e sempre para pior, ou melhor igual, mas diferente.
Eu entendi esse jovem. Porque na verdade a vida absurda e ridícula que vivemos só dá vontade de fugir dela.
Sobrevivemos num caminho feito de muitas cenas boas e más. Trabalhamos para sobreviver e sobrevivemos para trabalhar. Quando não é a nossa realidade, sobreviver a guerras, doenças, ódios, egos e maldade pura e simples. Somos maus e parece não haver uma outra realidade.
Assim pergunto o que foi que eu, neste longo caminho curto, descobri? Qual foi a verdadeira sabedoria que adquiri? Dá para rir porque eu realmente não sei. E aquelas certezas que tinha, todas elas se esfumaram. Como o amor, a fé e sei lá mais o quê.
O amor, a mim parece-me mais uma cena de, tu dás se eu der, e dás se precisares de mim.
A fé? Credo, é a cena mais estúpida que nos incutiram. Um ser superior omnipotente e omnipresente?
Respeito quem acredita. Cada um é livre (às vezes) para pensar o que quiser.
Resumindo, até as cenas que tinha como verdades quase absolutas deixaram de ser.
Ah e mais importante ainda: as memórias!
Hoje já nem sei se as minhas memórias são a minha realidade ou outra coisa. Todos os que fazem ou faziam parte delas, têm memórias tão incrivelmente diferentes que num determinado momento pensei que devia estar em planos alternados e fazia confusão. Rapidamente isso saiu da minha cabeça.

Às vezes penso que uma doença final que nos “rouba” as memórias se calhar acaba por ser uma benção. Não para aqueles que têm que levar connosco, mas para nós…
Como diz o escritor em De profundis, valsa lenta “Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, bem entendido, porque sem referências do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do passado e que lhes dá a luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido”. José Cardoso Pires
E contudo se bem que não deixe de ser verdade, não é verdade absoluta e única.
Perdoem-me se estou a chocar alguém…
Vem um pouco em sentido contrário àquilo que tenho vindo a escrever. Mas é assim: uns com tanta vontade de permanecer e outros com tão pouca. Uns com uma experiência e outros com outra, mas no fim nada muda.
Somos maus!
Só uma pergunta: porque é que a sabedoria era sempre ou quase, representada por um velho?
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